sexta-feira, 6 de julho de 2012

Olha o picolé!



E a poeira vermelha afogava os meus pés
Descalços que, sem ter onde mais pisar, pisava
Em seu corpo.
O céu não prometia chuvas, que sufoco!
O calor escaldante do serrado gritava:
"Olha o picolé!"
Os passantes observavam com testa franzida o
Chamado que saía da minha garganta:
"Olha o picolé!" 
Suas bocas secas suplicavam por um copo 
D´água fresca, quiçá gelada. 
Ali, diante de seus olhos estava eu, o menino
Negro os torturando com seu grito insistente: 
"Olha o picolé!"

Sob o peso do meu corpo, a poeira gemia,
Ficava  vermelha ao esforçava-se para levantar
O meu pé que pisoteava o seu corpo.
O sol escaldante queimava tudo, queimava 
Inclusive a pele de quem o desafiava.
O negrinho precisava trabalhar, ele não podia 
Esperar na sombra.
Teimoso, vestido em sua pele escura, ele 
Desafiava o sol gritando: "Olha o picolé!" 
Aquele negrinho parecia não perceber que os
Viventes, fugindo da fúria do calor do sol,
Não davam ouvidos aos seus gritos que,
Valendo-se de suas liberdades corriam para 
Se esconderem à sombra do silêncio.

Sem a ameaça da chuva, o sol era reinante.
A poeira vermelha, em seu repouso, não 
Suportava ter aqueles pequenos pés 
Pisoteando o seu corpo. Ela se levantava furiosa
E sufocava as narinas dos passantes que, não 
Suportando o calor escaldante, franziam a testa
Como que descrentes de que algum dia a chuva
Ainda voltaria a chover naquele lugar.
O negrinho, protegido por sua pele preta, 
Ignorando a violência do calor do sol, e 
Indiferente a tudo, descia a rua gritando:
"Olha o picolé!".
                                                       Lido da Silva, 

                                        *


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