terça-feira, 5 de abril de 2016

Ocaso


A minha carne tem fome,
Come o meu corpo, me consome,
Pedaços, tiras, nacos.
A cruz me é pesada,
Rezo o terço, a fé desvanece.
Qualquer coisa assim,
Lágrimas nos olhos,
Seguidas de sorrisos sem razão.
Um jeito sem graça, trapaça,
La fora alguém chama o meu nome,
Não respondo.
Não tenho medo da morte,
Mas não acompanho enterros.
Deixa chamar, que me chame,
Não vou.
Já não sei o que é hora,
O tempo não me importa,
Acho que já vivi demais.
Um descuido e a minha carne me morde,
Sem querer um gemido me escapa.
Eu ouvi, eu ouvi!
Alguém chamou o meu nome,
Melhor não responder,
Não, não vou responder.
Nem sei se é a minha vez de ir!
Vá quem tem pressa!
Vá quem o desassossego não deixa sossegar.
Ouvi o meu nome, mas não vou,
Não foi assim que nasci,
E não será assim que morrerei.
Não tenho medo da morte,
Mas nem por isto tenho que juntar-me a ela.
De repente mais uma mordida.
Doeu, doe muito,
Choro, rezo mais um terço,
Mas desta feita a carne não tira o seus dentes
Da minha carne.
Resigno-me, calo.
Não devo a morte, daí não ter razão
Para suplicar-lhe a vida.


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