segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O pedinte


Os trapos velhos que repousam sobre o corpo do 
pedinte, somente com muita boa vontade, lhe 
cobrirá as vergonhas.
Os trapos tentam e tentam, mas a pele rebelde 
do pedinte refuta-os e lhes foge. 
A pele do desafortunado escapa pelas frestas do 
tecido roto, e se deixa à mostra. 
Despido, o corpo do infeliz fica a exposto, e 
exposto, mostra o que a sociedade se nega a
ver. 
Os viventes olham com criticismo cínico a 
pobreza que acreditam não ser suas, 
ignorando o fato de que esta pobreza os 
cumprimenta todos os dias enquanto fingem 
estarem encontrando-a pela primeira vez.

Arrastando-se sob o peso do sofrimento que a
pobreza extrema lhe impõe, o pedinte segue
os olhares passantes como se fora sombra 
desses.
Muda, a presença do pedinte invade os 
ouvidos moucos dos viventes que a ignora.
A pobreza do pedinte grita uma verdade que
ninguém gosta ouvir e, para o suplicio dos 
transeuntes, a indigência do pedinte se 
mostra completamente nua, em ambientes
onde só aceitam os bem vestido.
Curvado sob o peso da tristeza que os 
infortúnios da vida lhe impõe, o corpo nu do 
pedinte faz graça com a desgraça a que é  
condenado a viver.

Sob o pretexto de resguardar a pela do 
pedinte do frio, as roupas velhas que o vestem
na verdade tentam esconder a sua presença
para que esta não incomode os olhos dos 
passantes.
Rebelde, a nudez do pedinte rasga as roupa
que a esconde e se mostrar como é, como 
ela entende que precisa ser vista.
Este é o seu protesto mudo, é o protesto de 
quem não tem espaço para protestar. 
Então, ali, no meio de onde não deveria 
estar, o corpo curvado do pedinte se 
arrastando sob o peso da injustiça que lhe 
castiga, ele protesta.
O pedinte protesta, ele expõe sua miséria, 
obra da nossa sociedade que nunca ensinou,
e nem nunca foi ensinada a compartilhar.


                O Mensageiro, Brasília, novembro de 2012


                             *

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