Lá
para as bandas da minha infância,
num tempo
muito distante dos dias
de hoje, me ouço gritando:
- Olha o jornaleiro...!
Eu gritava e o meu grito saia
correndo abrindo caminho para a
minha passagem.
Que ironia!
Em minha ignorância não me dava
conta do quão cómico era eu, um
analfabeto, me esforçando
para
vender jornais a viventes
semianalfabetos.
O meus grito seguiam gritando.
Naquela tempo, a cidade do Gama
era um universo de operários rudes,
pessoas sofridas que mal tinham
o
suficiente para o pão, mas eu, em
minha inocência insistia em querer
lhes vender jornal.
E eu gritava: - Olha o jornaleiro!
A minha ignorância enfurecia o
vento que furioso soprava, para
bem distante, os meus gritos.
Sem ouvir os meus gritos ninguém
percebia aquele negrinho gritando:
- Vai passando o jornal!
Olha o jornaleiro!!!
Cego,
com os olhos cheios de
poeira, eu não percebia a ironia
dos meus gritos e continuava
gritando: - Olha o jornaleiro...
vai passando o jornal!
Ninguém me via, ninguém me
ouvia, poucos sabiam ler.
Quanta inocência!
Vender jornal para gente
que mal
tinha o suficiente para comer!
Vender jornal para viventes que,
em sua maioria, mau sabia
assinar o nome.
Era eu, também, vivendo a minha
ignorância.
Não me percebendo ridículo, eu
enchia o peito e liberava
o meu
grito: - Olha o jornaleiro!
Hoje, rememorando aqueles
tempos, os meus grito soam
muito mais como ofensa àqueles
viventes, que uma oferta
de
serviço.
Os grito da minha infância, hoje,
chegam aos meus ouvidos como
recordações, triste recordações:
-
Olha o jornaleiro...!
Vai passando o jornal!
Esses gritos ainda me acordam,
me acordam em pesadelos.
O Mensageiro - Brasília, julho de 2012.
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